INTRODUÇÃO
Na região Centro-Sul do Brasil a cana-de-açúcar é cultivada em 9.480.577 milhões de hectares (ha), dos quais aproximadamente 6,0 milhões estão presentes no estado de São Paulo, região produtora com mais de 90 % dos canaviais colhidos sem queima prévia). Esta expansão associada à retração das áreas reformadas, à intensa mecanização e a baixa pluviosidade nos dois últimos anos, culminou em declínio da produtividade dos canaviais. Neste período de crise do setor sucroenergético, a redução dos custos com manutenção da produtividade é a principal estratégia das empresas e fornecedores. Embora importante, o alto custo dificulta o aumento das áreas de reforma, por conseguinte, é imperativo a adoção de práticas agrícolas, como a sucessão e ou rotação de culturas, como o manejo conservacionista de solo e como o sistema MEIOSI.
O sistema conhecido como MEIOSI foi desenvolvido pelo Dr. José Emílio Teles de Barcelos no final da década de 80, como alternativa para implantação de canaviais. O sistema consiste no plantio na primavera, de dois sulcos de cana-de-açúcar na área a ser reformada, deixando-se espaço entre eles que permite o cultivo de culturas comerciais (soja e amendoim) e leguminosas adubos verdes. Após colheita ou manejo das culturas no final do verão, as plantas de cana-de-açúcar plantadas na primavera servem como mudas para plantio do novo canavial. Com adoção restrita durante anos, recentemente ganhou expressão no setor, devido principalmente o advento da tecnologia de GPS nos tratores, ferramenta que permite manter o paralelismo dos sulcos de plantio com precisão. Além disso, a possibilidade de uso de mudas pré-brotadas favorece o aumento da taxa de multiplicação, fator que aumenta a eficiência do sistema. Embora o sistema estimule o cultivo de leguminosas na reforma, apresenta desafios para o produtor de grãos nessa parceria, os quais precisam ser compreendidos e ajustados conforme a atividade em questão.
Considerando que a parceria cana x grãos é expressiva no Estado de São Paulo, é importante identificar quais são os benefícios e desafios dessa modalidade de implantação de canaviais, tanto na perspectiva dos produtores de grãos quanto do setor sucroenergético. Nesse sentido, foi organizado um debate durante o XII Workshop Agroenergia Matérias-Primas, ocorrido nos dias 27 e 28 de junho de 2017 no Centro de Convenções do IAC em Ribeirão Preto. Os objetivos desse texto é redigir o conteúdo das 5 palestras com o intuito de uniformizar o conhecimento sobre o tema, bem como fornecer subsídios para discussão.
RESUMO DAS APRESENTAÇÕES NO XII Workshop Agroenergia
- MEIOSI: Como tudo começou – Dr. José Emílio Teles de Barcelos (Universidade Federal de Uberlândia). No início da década de 80, Dr. Barcelos trabalhava como pesquisador do IAA/PLANALSUCAR na Estação Experimental em Uberlândia (atual UFU). A ideia surgiu da necessidade de implantar um canavial com mudas sadias e foi baseado em observação em áreas comerciais que realizavam cultivo intercalar de milho com soja. O primeiro experimento foi instalado em Uberlândia em 1983, depois o sistema foi aperfeiçoado e pesquisado na Fazenda Santa Isabel (Pradópolis/SP), experimento que gerou os resultados utilizados como Dissertação de Mestrado e defendida pelo Dr, Barcelos na UNESP/Jaboticabal em 1990. Assim então surgiu o termo MEIOSI que significa, Método Intercalar-rotacional Ocorrendo Si Os resultados dessas primeiras iniciativas, demonstraram que era possível implantar um canavial com mudas novas (6 meses) e sadias (propagação por “quebra quebra”, ou seja sem facão), com redução de 35% nos custos e permitir na mesma área produzir alimentos em 88% da área. Uma das principais razões para baixa adoção era a dificuldade em marcar as linhas de plantio da cana-de-açúcar, operação que hoje é realizada com precisão via GPS.
Primeiras publicações referentes ao assunto MEIOSI
É importante esclarecer que essa ideia foi desenvolvida pela pesquisa e validada em milhares de hectares ao longo das últimas três décadas. O termo foi incorporado no meio agronômico e difundido nesse período, sem a devida referência ao autor dessa brilhante ideia. Portanto, faz-se necessário o resgate desse conhecimento, sobretudo para informar com propriedade aos mais jovens e evitar interpretações equivocadas.
- MEIOSI com Adubos Verdes – oAgr.oPaulo Cesar Crivellaro (Usina Itajobi). Durante muitos anos a MEIOSI foi adotada basicamente com o cultivo de leguminosas adubos verdes devido a praticidade. As razões para adoção da MEIOSI, na perspectiva da Usina foram; aumentar o dimensionamento e aproveitamento dos equipamentos, aumentar a produtividade dos canaviais (convicção da resposta do cultivo de leguminosas) e controlar erosão em virtude do solo predominante ser Argissolo. No passado o amendoim era a cultura utilizada na MEIOSI, mas desde 2013 a empresa adotou o uso de adubos verdes, sendo que para a próxima safra o planejamento será de 100% do plantio (2.400 ha) com coquetel de duas espécies (40% Crotalariaochroleuca + 60% Crotalariaspectabilis).Utilizam somente 1 rua “mãe” e a relação de desdobramento varia de 1:12 (plantio de cana entre maio-junho), 1:10 (plantio de cana julho-setembro) e 1:08 (plantio de cana entre outubro-novembro), respectivamente para precoces, médias e tardias.
Linha de cana “mãe” (esquerda). Coquetel de crotalárias (direita). Fotos: Paulo Crivellaro (Usina Itajobi)
Sulcação sobre biomassa de crotalaria (esquerda). Mudas distribuídas em área manejada. Fotos: Paulo Crivellaro/
Um dos desafios apresentados foi a dificuldade em controlar gramíneas remanescentes por ocasião do plantio do canavial, uma vantagem quando se utilizava amendoim como cultura na reforma. Deve-se esclarecer que, uma das razões para mudar de amendoim para adubos verdes foi a possibilidade de reduzir operações de preparo do solo. Esse aspecto deve ser analisado, considerando que hoje não é mais permitido o uso de fogo na colheita, situação que demanda mudança no tipo de manejo de solo a ser utilizado.
- Vantagens e Desafios da MEIOSI para Soja – Eng.ooRicardo FrigieriCrestana (Produtor de Soja, Fazenda Cantareira). Com experiência de mais de 10 anos em semeadura direta sobre palhada de cana, esse produtor cultiva em parceria com usinas, mais de 1500 hectares de soja todos os anos. Relatou as experiências da última safra 2016/17 com MEIOSI realizada na região de Pirassununga/SP. Os benefícios para cana-de-açúcar são os já conhecidos; melhoria no estande da lavoura de cana, aumento na produtividade (10-18 t ha-1), fluxo de caixa e amortização dos custos de implantação, conservação do solo, etc. Os benefícios para soja em sistema de MEIOSI são; assegurar maior chance de conseguir terra para arrendar e áreas sistematizadas. Como desafios da MEIOSI, destacou; dificuldade de uso de herbicidas na soja e na cana-de-açúcar (deriva)r, reduz rendimento operacional devido maior número de manobras, dificulta uso de pulverizadores automotriz de maior rendimento (largura da aplicação não compatível com as faixas disponíveis), colheita requer investimento em “bazuca”(graneleiro de alto rendimento),não permite dessecação para antecipar colheita, falta de padronização na relação de plantio (1:4 até 1:10) que interfere no planejamento da lavoura de soja.Outros gargalos apresentados são comuns à reforma de cana, tais como; baixo aproveitamento dos corretivos aplicados, presença de herbicidas de longo residual (tebuthiuron, imazetapyr, imazapic, amicarbazone, sulfrentazone), irregularidade dos terrenos e consequente perdas na colheita.
Soja em estádio R6 (esquerda) e area pronta para plantio de cana (direita). Incompatibilidade do reservatório com percurso da colhedora, necessidade graneleiro. Fotos: Ricardo Crestana
Deriva de herbicidas aplicados nas mudas de cana (esquerda). Pulverizador automotriz trafegando na linhas de MEIOSI (direita). Fotos: Ricardo Crestana.
- Vantagens e Desafios da MEIOSI para Amendoim – Eng.oAgr.oM. Sc. Klinger Brentini Branquinho (Gerente Agrícola da Agropolegato). Apresentou argumentos favoráveis à parceria da cultura do amendoim com a cana, com destaque para; amendoim é a cultura que mais remunera o produtor e que pode pagar mais pelo arrendamento, baixa taxa de multiplicação de nematoides, mais rústica e mais adaptada a ambientes de produção restritivos, maior número de pulverizações auxilia no controle de pragas de solo como Sphenophoruslevis. Chamou a atenção quanto ao aproveitamento teórico da área (Quadro abaixo), pois a falta de planejamento pode reduzir a área utilizada e dificultar os tratos culturais e operações de arranquio e colheita. Mencionou como uma vantagem da MEIOSI, o fato de antecipar as áreas de reforma e favorecer o planejamento das atividades relacionadas ao amendoim e ao plantio do novo canavial (desdobramento das mudas). Como desafios, destacou; dificuldade no preparo do solo, aplicação de defensivos, deriva de herbicidas, operações de arranquio e colheita.
Vista aérea de MEIOSI com amendoim (esquerda). Linha simples de cana (direita). Fotos: Klinger Branquinho
Área com amendoim em MEIOSI (esquerda). Campo de amendoim arrancado (direita). Fotos: Klinger Branquinho
Deve-as salientar, que nos últimos anos o produtor de amendoim investiu muito em equipamentos de alto rendimento e que operam em faixa de trabalho mais largas. Em virtude de ser uma cultura de alto custo e muito dependente de pulverizações, é crescente a substituição de pulverizadorestratorizados por automotrizes. Esse fato exigirá maior planejamento a fim de evitar problemas e acarretar frustação na parceria ou retrocesso em termos de qualidade de aplicação. Outro aspecto a ser considerado, é que o processo de “cura”(secagem no campo após arranquio) pode ser prejudicado, pois as linhas de cana-de-açúcar servem como quebra-vento, podendo atrasar a secagem.
- MEIOSI com MUDAS PRÉ-BROTADAS – Engo. Agro. M. Sc. Pablo Humberto (Gerente de Tecnologia e Inovação da COPLANA, Jaboticabal/SP). Os benefícios do uso de mudas pré-brotadas são; maior taxa de multiplicação (1:60), economia na quantidade e logística de mudas, maior vigor, maior sanidade, maior pureza genética, reduz expressivamente a propagação da praga Sphenophoruslevis, MEIOSI com amendoim reduz os custos em 16% e 34% em relação ao sistema de plantio de cana convencional e mecanizado. Recomenda-se uso de mudas pré-brotadas para ambientes de produção favoráveis, para variedades que apresentem alto perfilhamento e não ultrapassar 15 de outubro para instalação. Todavia, há a necessidade de irrigação com pipa até o completo “pegamento”.
MEIOSI com Mudas Pré-Brotadas e amendoim como cultura intercalar, área comercial em Novo Horizonte, safra 2016/17. Fotos: Denizart Bolonhezi
6) CONSIDERAÇÕES FINAIS
O sistema MEIOSI aliado ao uso de mudas pré-brotadas já é realidade e apresenta forte tendência de crescimento em virtude das vantagens competitivas de ambos os sistemas, hoje viabilizados pela tecnologia disponível do GPS nos tratores, a qual favorece manter o paralelismo dos sulcos de plantio. Em virtude da predominância da colheita mecanizada de cana crua e aumento dos problemas com erosão hídrica, essas tecnologias estão sendo adaptadas para condição de palhada, fato que demanda mais investimento em conhecimento, por parte dos produtores das culturas tradicionalmente cultivadas em parceria na reforma de cana-de-açúcar.
O tema ainda necessita ser mais discutido a fim de ampliar a identificação dos desafios a serem superados. No caso da soja, embora haja mais informação e tecnologias (insumos, máquinas) disponíveis, não permite obter produtividades que cubram os custos (> 45 sc/ha) em ambientes de produção restritivos. Para o amendoim, a maior lucratividade e maior rusticidade tem favorecido por produtores, porém existe muita desinformação e falta de planejamento no estabelecimento das parcerias quando o sistema adotado é MEIOSI.
COMO CITAR ESTE ARTIGO:
BOLONHEZI, D.; BARCELOS, J.E.T.; BRANQUINHO, K.B.; CRESTANA, R.F.; CRIVELLARO, P.C.; SILVA, P. H. MEIOSI – Passado, Presente e Futuro. Disponível em www.infoamendoim.com.br/temasemdiscussão