Impactos e medidas de controle da erosão do solo no amendoim

Os processos erosivos ocorrem desde que o homem iniciou a prática da agricultura com uso de arado. De acordo com Dr. David R. Montgomery (Professor de Geomorfologia do Earth and Space Science,The University of Washington) e autor do livro Dirt: The Erosion Of Civilization, o desenvolvimento do arado foi mais impactante que o da espada, em termos de destruição das civilizações. Menciona que nos últimos 40 anos a erosão do solo tem sido a responsável pela degradação de 430 milhões de hectares de solos agrícolas, que equivale a 1/3 da presente área agricultável mundial. Enfatiza que no mundo, anualmente, são perdidos 0,7 % de solo, o que representa 23 bilhões de toneladas de solo erodido. Nos últimos 60 anos foram perdidos por erosão a mesma quantidade de solo que demorou 400 anos para ser construída. Em termos de custos diretos e indiretos da erosão por ano, são estimados US$ 44 e 45,4 bilhões nas condições norte-americanas e europeias, respectivamente. Para as condições brasileiras, para o estado do Paraná e São Paulo, são estimados respectivamente US$ 242 e 212 milhões (Telles et al., 2011).

A cultura do amendoim posiciona-se no contexto da erosão como muito vulnerável às perdas de solo, em virtude do intensivo preparo de solo, do lento crescimento e ao espaçamento entre linhas mais largo do que outras oleaginosas. Considerando um índice relativo de erosão, o amendoim encontra-se na quarta posição, somente atrás da mandioca, feijoeiro e mamona (Figura 01). Estudos de perdas de solo e água na cultura do amendoim foram conduzidos na Estação Experimental do IAC em Ribeirão Preto, durante 12 anos (entre 1947 e 1959) e permitiram concluir que a média ponderada foi 30,6 t/ha/ano de terra e 134 mm/ha/ano (Marques et al., 1961). A maior perda de solo ocorreu na safra de 1950/51, com valores de 191 t/ha/ano de terra e 281 mm/ha/ano de enxurrada. Nesse ano, janeiro teve a maior pluviosidade (580 mm) da série histórica. Pode-se inferir que se esses estudos tivessem sido conduzidos em região com solos de textura mais arenosa, os resultados talvez tivessem sido mais expressivos.

FIGURA1-2

Figura 01. Índice relativo de erosão hídrica para diferentes culturas. Fonte: Marques et al. (1961), Bragantia, 20(47):1143-1182, 1961.

FIGURA2-1

Anache et al. (2017), utilizando ferramenta de meta análise para interpretar diversos estudos de perdas de solo para as condições brasileiras, concluiu que o amendoim posicionase em segundo lugar em um ranking de 27 atividades agrícolas estudadas, com perdas médias de 26 t/ha/ano. É importante esclarecer que na época que os estudos foram realizados, o padrão tecnológico da cultura do amendoim era totalmente oposto do vigente, sobretudo com relação ao hábito de crescimento da planta. Para as condições edafoclimáticas norteamericanas, estudos conduzidos entre 1975 e 2014, considerando as regiões produtoras, sudeste e Virginia-Carolina, as perdas médias foram de 14 e 10 t/ha/ano, respectivamente. Se considerar a produtividade média de vagens, para as principais regiões produtoras norteamericanas são perdidos 5 kg de terra para cada 1,0 kg de amendoim produzido (McCarty et al., 2016). De acordo com dados do NRI (2007), perdas de solo nos USA diminui 43% entre 1982 e 2007 para a maior parte das culturas anuais, enquanto pouco avanço foi detectado para a cultura do amendoim no mesmo período. Esses números indicam a magnitude do problema, o qual não é exclusivo das condições brasileiras.

A erosão inicia-se com a retirada da cobertura vegetal que expõe a camada superficial ao impacto das gotas da chuva, ocasionado desagregação das partículas, redução da infiltração de água e consequente aumento do escorrimento superficial ou deflúvio, depositando os sedimentos em canais de terraços e cursos d’água. De maneira geral, a erosão pode ser classificada em eólica e hídrica. A erosão hídrica classifica-se como laminar e em sulcos (rasa, profunda e muito profunda ou voçorocas). Quanto à frequência, pode ser ocasional, frequente ou muito frequente. A erosão eólica não é muito comum nas condições do Brasil, mas é o principal tipo erosão nas áreas produtoras na Argentina, principalmente após a colheita, ocasionando abrasão das folhas das culturas de inverno. O encrostamento (Figura 3B), ocasionado pela erosão por salpico, que ocorre no sulco de semeadura, é bastante comum em nossas condições, sendo um dos fatores que influenciam na falha do estande. Em virtude da predominância do cultivo de amendoim em reforma de canaviais colhidos sem queima prévia, as ocorrências de erosões em sulcos (Figuras 3 C, D e E) aumentaram nos anos recentes. Para favorecer a colheita mecanizada, os terraços são dimensionados com espaçamentos maiores, porém não são compatíveis com as práticas mecânicas de conservação de solo recomendadas para a cultura do amendoim. Além disso, tradicionalmente os produtores de amendoim realizam preparo convencional intenso, utilizando inclusive enxada rotativa, resultando em maior desagregação das partículas e aumento da susceptibilidade aos processos erosivos. Por conseguinte, são frequentes problemas demonstrados nas Figuras 3C, 3D e 3E, sobretudo em solos com gradiente textural (Bt abrúptico) e associados ao relevo acidentado, denominados no Sistema Brasileiro de Classificação de Solo (EMBRAPA, 2013) como ARGISSOLOS, embora sejam comuns problemas em outras ordens de solo, tais como; LATOSSOLO Vermelho Amarelo e NEOSSOLO Quartzarênico (Figura 3 F).

É importante observar que A erosão hídrica pode ocorrer após a colheita do amendoim, conforme demonstrado na Figura 4A, pois no processo de colheita ocorre movimentação de solo na operação de arranquio e tráfego intenso na operação de recolhimento e escoamento da produção do campo. Na maioria das vezes, ocorre expressiva contribuição das enxurradas que se formam nos carreadores e estradas rurais mal dimensionadas, as quais ganham energia e resultam em erosão nas áreas agrícolas. Todavia, quando não há planejamento prévio do escoamento da água acumulada nos terraços em desnível, pode acontecer situações como a apresentada na Figura 4B. O comprometimento das estradas rurais afeta o transporte da produção do campo e denigre a imagem do agronegócio perante a opinião pública, sem considerar outras implicações sócio-econômicas.

Níveis da ocorrência da erosão no solo
Figura 03. Níveis de ocorrência de erosão do solo na cultura do amendoim. A – erosão eólica; B- erosão por salpico; C – erosão laminar; D/E – erosão em sulcos profundos; E – voçoroca. Com exceção da foto F, as demais devem ser creditadas a Denizart Bolonhezi.
Erosão em Sulcos
Figura 04. Erosão em sulcos formada após a colheita do amendoim (02/05/2017, Assis/SP, Neossolo Quartzarênico) – A. Voçoroca formada em estrada rural, formada na safra 2017/18, município de Paraguaçú Paulista/SP em ARGISSOLO Vermelho Amarelo. Fotos: Denizart Bolonhezi

A ocorrência de erosão em qualquer um dos níveis apresentados na Figura 3 é passível de fiscalização e autuação, conforme a legislação que dispõe sobre o uso, a conservação e a preservação do solo agrícola. No Brasil, diversos estados apresentam legislação quanto ao uso do solo, todavia, somente em São Paulo e Paraná, as leis são aplicadas pelo Poder Público por meio dos órgãos de defesa agropecuária. Em São Paulo, a legislação que dispõe sobre uso e conservação do solo e da água está alicerçada na lei Estadual n.o 6171 (04/06/1988), a qual é regulamentada pelo Decreto n.o 41.719 (16/04/1997), complementadas por mais duas Resoluções da SA (n.o 7 e 11), uma Portaria (n.o 6, de 24/06/1997) e dois Decretos ( n.o 44884, de 11/05/2000 e n.o 45273, de 06/10/2000). Em São Paulo, a fiscalização é responsabilidade dos técnicos da DEFESA Agropecuária da Secretaria de Agricultura e Abastecimento. No estado do Paraná, a aplicação da Lei n.o 8.104 (14/12/1984) é feita pela ADAPAR.

De acordo com legislação, as penalidade incidirão sobre os autores, sejam eles arrendatários, parceiros, posseiros, gerentes, técnicos responsáveis ou proprietários da área. Essa informação é relevante para a cadeia produtiva do amendoim, considerando que a maioria dos produtores são arrendatários e ocupam o espaço agrícola por alguns meses, mas mesmo assim, podem ser responsabilizados. O infrator deverá apresentar no prazo de 60 dias, prorrogáveis por mais 60 dias, um projeto contendo a determinação das classes de capacidade de uso do solo (Lepsch et al., 2015) da área em questão e um plano de definição da tecnologia de conservação de solo que deverá ser implantado no prazo previsto, além da aplicação de penalidade pecuniária no valor mínimo de 20 a 1000 UFESP (unidades fiscais do Estado de São Paulo).

O controle da erosão demanda a adoção de práticas conservacionistas, que podem ser classificadas como vegetativas, edáficas e mecânicas. O uso de terraços é a mais comum e interpretada erroneamente como a única medida. Todavia, no planejamento de controle de erosão deve-se levar em consideração primeiramente qual é a classificação do solo, qual o relevo predominante, qual o regime pluviométrico, bem como conhecimentos das técnicas de controle do escoamento superficial. Outro aspecto importante é identificar a Classe de Capacidade do Uso da Terra (I, II, II.IV.V, VI e VII), que definirá conforme a declividade e tipo de solo, onde é possível cultivar culturas anuais sem riscos de ocorrência de erosão. Devido ao vínculo com as áreas de reforma de canaviais, é importante para o produtor de amendoim entender como funciona o planejamento da sistematização dos talhões, pois isso definirá a direção da semeadura.

Mesmo não recomendados de forma isoladas, os terraços são estruturas constituída de um cana e um dique, que tem finalidade de interceptar a enxurrada, parcelar o comprimento da vertente, reduzir a velocidade do deflúvio e do arrastamento das partículas. Foi introduzido no Brasil, vindo dos USA, sofreu adaptações (terraços de infiltração) têm, desde que bem dimensionados, eficiência de 80% e 20% no controle das perdas de terra e água, respectivamente. Com relação à escolha do tipo de terraço a ser utilizado, de maneira geral, adota-se para base larga, base média, estreita e patamar, as seguintes declividades; 2-8%, 8- 12%, 12-18% e > 18%. Para um correto dimensionamento de terraços, a recomendação oficial no estado de São Paulo baseia-se na equação proposta por Lombardi Neto et al. (1991). Para condição de Argissolos (Bt), recomenda-se uso de terraços em desnível, pois em virtude da baixa infiltração, o excedente de água necessita ser conduzido para um canal escoadouro, preferencialmente vegetado. Equívocos no dimensionamento dos terraço de infiltração, podem ocasionar problemas maiores que a não utilização dos mesmo, pois uma vez rompidos a energia concentrada aumenta o impacto do escorrimento.

A redução da intensidade do preparo de solo e consequente manutenção do máximo de resíduos culturais na superfície permite a redução de até 68% na erosão, de acordo com Holland (2004). Para as condições norte-americanas, entre 1999 e 2013, para as áreas de cultivo com amendoim, o número médio de operações passou de 4,8 para 3,3 respectivamente. Isso resultou em um aumento do percentual de solo coberto que passo de 3.9 % para 16.7 % no mesmo período (1999-2013). Porém, o ideal é não dispensar as práticas mecânicas de conservação e aprender a semear diretamente sobre palhada (Figura 5) ou utilizar algum preparo reduzido, os quais permitem reduzir expressivamente (>95%) a erosão hídrica.

Impacto do uso de terraceamento
Impacto do uso de terraceamento
Figura 05. Impacto do uso de terraceamento sobre o escoamento supercial (superior). Fonte: Jean Minella (UFSM). Semeadura direta sobre palhada de cana crua (esquerda) e semeadura sobre preparo reduzido em faixa (direito). Fotos: Denizart Bolonhezi

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Considerando as perdas de solo (26 – 30 t/ha/ano) quantificadas na cultura do amendoim, controlar o impacto da erosão hídrica é um tema urgente a ser discutido na cadeia produtiva do amendoim, sobretudo quando a parceria dos arrendatários é realizada com a cultura da cana-de-açúcar cultivado sobre Argissolos com textura arenosa no horizonte A. Há legislação e fiscalização, a qual pode autuar inclusive o arrendatário. O uso de terraços deve seguir recomendação técnica oficial e validada pela pesquisa, mas não controla erosão com eficiência se usada isolada. Difundir a adoção da semeadura direta associada às práticas mecânicas é o caminho para evitar eventos drásticos de erosão hídrica e assegurar a sustentabilidade do produtor paulista de amendoim.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANACHE, J.A.A.; WENDLAND, E.C.; OLIVEIRA, P.T.S.; FLANAGAN, D.C.; NEARING, M.A. Runnof and soil erosion plot-scale studies under natural rainfall : A meta-analysis of Brazilian experience. Catena, 152, p. 29-30, 2017.

HOLLAND, J.M. The environmental consequences of adopting conservation tillage in Europe: reviweing the evidence. Agriculture, Ecosystems and Environment, 103(1):1-25, 2004.

LEPSCH, I.F.; ESPÍNDOLA, C.R.; VISCHI FILHO, O.J.; HERNANI, L.C.; SIQUEIRA, D.S. Manual para Levantamento Utilitário e Classificação de Terras no Sistema de Capacidade de Uso. 1a Edição, Viçosa, Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, 2015, 170 p.

LOMBARDI NETO, F.; BELLINAZZI JUNIOR, R.; LEPSH, I.F.; OLIVEIRA, J.B.; BERTOLINI, D.; GALETI, P.A.; GRUGOWICH, M.I. Terraceamento Agrícola. Campinas: Coordenadoria de Assistência Técnica Integral, 1991, 38 p. (Boletim Técnico 206).

MARQUES, J.Q.A.; BERTONI, J.; BARRETO, G.B. Perdas por erosão no Estado de São Paulo. Bragantia, Campinas, v.20, n. 47, p. 1143-1182, 1961.

McCARTY, J.A.; RAMSEY, S.; SANDEFUR, H.N. A historical Analysis of the Environmenta Footprint of Penaut Production in the United States from 1980 to 2014. Peanut Science, 43, p. 157-167, 2016.


Como citar esse texto:

BOLONHEZI, D.; VISCHI FILHO,O.J..; BETIOL, O.; AMBRÓSIO, L.M. da S.; LEAL, E.P.R. Erosão do Solo na Cultura do Amendoim. Disponível em www.infoamendoim.com.br/temasemdiscussão.EditEdit with Visual ComposerEditar com Editor Visual