Melhoramento genético do amendoim visando resistência a doenças foliares

AS DOENÇAS FOLIARES

As doenças fúngicas da parte aérea são as de maior importância econômica para o amendoim, e a aplicação de fungicidas durante o ciclo da cultura, ainda é o meio de controle mais utilizado. As cercosporioses (mancha castanha – Cercospora arachidicola e mancha preta – Cercosporidium personatum) e a ferrugem (Puccinia arachidis) constituem-se nas doenças de maior expressão e potencial de danos para o amendoim, tanto no Brasil como em outros países. A verrugose (Sphaceloma arachidis) e a mancha barrenta (Phoma arachidicola) podem eventualmente causar danos econômicos, principalmente em genótipos do grupo ereto precoce (Moraes & Godoy, 1997).

As cercosporioses, amplamente disseminadas nas regiões produtoras, tanto no Brasil como em outros países, são responsáveis por quebras de produção de até 70%, dependendo do cultivar e da severidade da doença. A mancha preta, também conhecida como mancha “tardia” é a mais prevalente e a que causa danos de maior expressão. Seu ciclo epimediológico inicia entre 45 e 50 dias de idade das plantas e tende a progredir até o final do ciclo da cultura. A mancha castanha (ou mancha precoce) também aparece ao redor de 6 semanas do ciclo da cultura; entretanto, a doença não progride até o final do ciclo, como a mancha preta. Isto não significa necessariamente que os danos por ela causados são menores, pois um dos seus efeitos nas plantas é a desfolha precoce. A ferrugem ocorre com menor frequência, mas o seu poder destrutivo é alto, pois os esporos se reproduzem rapidamente, obrigando o produtor a reduzir os intervalos entre as aplicações de fungicida, o que aumenta o número de pulverizações.

A verrugose geralmente aparece com mais intensidade em variedades do grupo ereto/precoce (vulgarmente conhecidos como Valência ou Spanish), e no período entre 50 e 80 dias. Sua severidade pode ser considerada moderada. Os danos causados estão na formação de pústulas do fungo (“scabs” ou “verrugas”) que prejudicam o desenvolvimento das plantas. A mancha barrenta também é de freqüência relativamente baixa, aparece da metade para o final do ciclo da cultura. Assim como a verrugose, a maior incidência da mancha barrenta é observada em variedades de amendoim do grupo ereto/precoce.

RESISTÊNCIA: GERMOPLASMA E HERANÇA

O gênero Arachis é nativo da América da Sul e ocorre em cinco países do continente, principalmente no território brasileiro, onde foram encontradas 64 das 80 espécies conhecidas (Krapovickas & Gregory, 1994; Valls & Simpson, 2005). O acervo genético encontra-se hoje preservado em coleções de germoplasma, em diversos países. No Brasil, o Banco Ativo de Germoplasma de Espécies Silvestres de Arachis localiza-se na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília, e conta com 1250 acessos. O IAC mantém uma coleção com 2.000 variedades e raças nativas de Arachis hypogaea.

O germoplasma do amendoim cultivado, A. hypogaea, possui variabilidade para moderada resistência a esses patógenos. Não há registro da existência de variedades imunes às doenças, mas a resistência é encontrada em vários níveis, entre os diversos acessos. Em alguns casos, a variedade exibe resistência a uma das doenças, mas muitos acessos possuem resistência a mais de uma doença. O IAC mantém um Banco de Dados sobre as reações de resistência do germoplasma de A. hypogaea às cinco doenças mencionadas anteriormente (Moraes et al., 1995; Moraes & Godoy, 1997). Os dados classificam os acessos em 7 classes quanto ao nível de resistência, a saber: S (Suscetível), S-MS (Suscetível a Moderadamente Suscetível), MS (Moderadamente Suscetível), MR-MS (Moderadamente Suscetível a Moderadamente Resistente), MR (Moderadamente Resistente), MR-R (Moderadamente Resistente a Resistente) e R (Resistente).

A resistência às cercosporioses tem sido atribuída a causas diversas, de natureza bioquímica, anatômica ou fisiológica. As fitoalexinas são consideradas como inibidoras da penetração e/ou reprodução dos patógenos nos tecidos foliares. Substâncias pécticas e espessamento das paredes celulares, como barreiras à penetração dos tubos germinativos, também são citadas como mecanismos de resistência (Abdou et al., 1974). Em germoplasma resistente, a ferrugem pode expressar-se por atraso no processo epidemiológico (resistência fisiológica à infecção), período mais longo de incubação, menor freqüência de infecção, menor tamanho de pústulas e menor produção de esporos, como revisado em (Moraes & Godoy 1997).

A literatura sobre resistência a doenças em amendoim sugere que, na maioria dos casos, a herança é quantitativa, embora com poucos genes envolvidos. Para a mancha preta, análises de progênies de cruzamentos dialélicos entre variedades de A. hypogaea, avaliadas para os caracteres número de lesões/folha e porcentagem de desfolhamento, mostraram valores altamente significativos para capacidade geral de combinação (CGC) sugerindo que a resistência tem um importante componente aditivo (Kornegay et al., 1980). O mesmo foi observado por Anderson et al. (1986), estudando a resistência às manchas preta e castanha. Nevill (1982) achou um modelo genético com cinco loci e ação gênica predominante recessiva para diâmetro de lesão, desta doença, obtendo valores significativos de variâncias, tanto para o componente aditivo como o de dominância. Em cruzamentos do germoplasma 909 (tipo peruviano altamente resistente ao fungo) com cultivar suscetível, Godoy & Moraes (1987) observaram distribuições contínuas do índice de infecção com maior proporção de indivíduos suscetíveis, sugerindo herança quantitativa e ação gênica predominantemente recessiva para resistência.

MELHORAMENTO VISANDO RESISTÊNCIA

A característica poligênica da resistência, bem como a ocorrência de várias doenças potencialmente importantes nas lavouras de amendoim são fatores complicadores para o melhoramento. Porém, o fato de existirem acessos em que aparentemente os mesmos genes conferem resistência a mais de uma doença (Wynne et al., 1991), cria, como alternativa, a possibilidade de utilização desses poligenes para a obtenção de cultivares com resistência múltipla.

As estratégias e metodologia para a utilização de fontes de resistência a doenças foliares no amendoim podem ser definidas de acordo com o nível de resistência que se espera obter ao longo do programa de melhoramento, bem como em função do prazo para a sua obtenção. Essas opções estão relacionadas à distância entre o germoplasma portador e os cultivares que receberão esses genes. Essa distância se traduz pelo grau de adequação do germoplasma quanto aos outros caracteres de importância agronômica, tais como arquitetura de planta, duração do ciclo, prolificidade e morfologia de vagens e sementes, entre outros.

Em curto prazo, pode-se lançar mão de fontes mais próximas, e obter um nível moderado de resistência. Neste caso, pode-se citar o exemplo do cultivar IAC Caiapó, lançado no Brasil em 1996, e resultante de cruzamento entre um antigo cultivar brasileiro e um acesso de germoplasma previamente melhorado e com razoável qualidade agronômica. IAC Caiapó tem como principal característica em relação a outros cultivares existentes no mercado, a moderada resistência a doenças foliares, principalmente à mancha preta e ferrugem (Godoy et al., 2001). A Figura 1 ilustra o impacto da resistência deste cultivar sobre a sua estabilidade. Comparando-se este cultivar ao Runner IAC 886, suscetível, em 26 ambientes que incluíram tratamentos “com” e “sem” controle de doenças, observa-se que IAC Caiapó conseguiu manter produtividade ao redor de 2.000 Kg/hectare nos ambientes menos favoráveis. Runner IAC 886 só é superior em ambientes que favorecem produtividades mais altas.

Figura 1 – Estabilidade produtiva das cultivares IAC Caiapó e IAC Runner 886 em diferentes localidades submetidas ou não ao controle de doenças fúngicas.

A médio prazo, novos avanços podem ser obtidos, recorrendo-se ao germoplasma do amendoim cultivado (A. hypogaea). Diversos acessos da coleção de germoplasma do IAC mostram níveis de resistência superiores aos do cv. IAC Caiapó. A Tabela 1 mostra os dados obtidos recentemente com um grupo de 4 acessos da coleção, em contraste com os cultivares Runner IAC 886 e IAC Caiapó, em experimento sob alta incidência de mancha preta. A doença foi avaliada em duas épocas durante o ciclo por uma escala de notas de 1 a 9. Com os dados das duas épocas de avaliação, estimaram-se os valores em ASCPD (Área sob a Curva de Progresso da Doença). As estimativas de ASCPD têm se mostrado um método eficiente para quantificação das doenças em condições de campo, porque levam em consideração o processo epidemiológico do patógeno ao longo do ciclo da cultura, e reduzindo as distorções de avaliação devidas a diferenças de fenologia entre os genótipos.

Tomando-se por base o cultivar IAC Caiapó moderadamente resistente, pode-se, assim, prever ganhos genéticos adicionais, nas próximas etapas do melhoramento, utilizando-se como fontes de resistência alguns acessos de germoplasma do amendoim cultivado, como o 69007, que mostrou a menor nota e o menor valor de ASCPD, no conjunto acima.

O acesso 69007 foi utilizado em diversos cruzamentos com linhagens do programa IAC e as populações segregantes foram submetidas a seleção em campo sem controle de doenças, durante 4 ciclos sucessivos. A Tabela 2 mostra as ASCPD para três doenças, nas 10 linhagens que mais se destacaram para resistência à mancha preta.

Em relação à mancha preta, confirmando as expectativas, as seleções efetuadas produziram progênies com alto nível de resistência. Neste experimento, a severidade desta doença foi maior do que o relatado na Tabela 1, mas, mesmo assim, a “distância” (em ASCPD) entre as linhagens selecionadas e o cultivar IAC Caiapó, moderadamente resistente foi próxima da observada entre o acesso 69007 e o cultivar. O grau de severidade da mancha castanha e ferrugem não foi alto, e as variações no experimento não permitiram detectar níveis de significância, principalmente nos dados da ferrugem. Entretanto, observa-se uma tendência para algum nível de resistência, sugerindo que as linhagens possuem resistência múltipla.

A outra estratégia a considerar no melhoramento para resistência é a utilização de germoplasma silvestre de Arachis, criando expectativa para ganhos genéticos ainda maiores. Embora ainda não se conheçam cultivares resistentes a essas doenças, gerados a partir de cruzamentos com parentes silvestres, as avaliações do germoplasma mostram que diversas espécies exibem alta resistência. A Tabela 3 mostra os resultados da avaliação de diversos acessos de Arachis, em experimento de campo, sob ocorrência natural dos patógenos, realizado em Pindorama, SP, em 2006/2007, utilizando como controles três representantes de A. hypogaea, de reações já conhecidas em relação às doenças.

Confirmando trabalhos anteriores, os dados acima mostram que a resistência a doenças foliares em espécies silvestres também é parcial. Entretanto, em diversos acessos, os níveis das doenças são significativamente menores do que os encontrados em A. hypogaea. Isto indica a possibilidade de serem obtidos ganhos ainda maiores, pela introgressão desses genes de resistência na espécie cultivada.

INCOMPATIBILIDADE INTERESPECÍFICA E SUA SUPERAÇÃO

O aproveitamento de genes silvestres ainda é limitado no melhoramento do amendoim em função das barreiras de incompatibilidade interespecífica. Como exemplo de sucesso, pode-se citar a cultivar Coan, obtida pela Texas A&M University a partir de cruzamentos entre espécies silvestres e que apresenta resistência ao nematóide de galhas (Simpson & Starr, 2001).

O amendoim A. hypogaea é uma espécie alotetraplóide de genoma AABB. As espécies silvestres, na sua grande maioria, são diploides, associados ao grupo genômico A ou B do amendoim. A distância entre as espécies silvestres e o amendoim cultivado vai desde a ploidia à inadequação agronômica das plantas silvestres, como tamanho muito reduzido dos frutos e sementes, ramos excessivamente prostrados e baixa produção.

Uma das principais limitações para o uso de parentes silvestres como fontes de resistência é a incompatibilidade de muitas delas em cruzamentos com o amendoim cultivado. Assim, o aproveitamento deste germoplasma é um trabalho de longo prazo. São necessários, de início, estudos de compatibilidade entre as espécies e a avaliação da sua cruzabilidade (Fávero et al., 2006). As dificuldades no sucesso desses cruzamentos se devem a fatores como a falta de fertilização ou o atraso da mesma, ausência de crescimento ou crescimento lento dos proembriões (Tallury et al., 1995), barreiras causadas pela diferença em ploidia, distância genética entre espécies, meiose irregular em híbridos poliploidizados, surgimento de aneuplóides ou pentaplóides (Stalker & Moss, 1987).

Diversas formas de introgressão de genes de espécies silvestres em A. hypogaea são relatadas (Simpson, 1991 e Simpson, 2001). A estratégia que vem sendo utilizada recentemente é o cruzamento entre uma espécie de genoma A com uma de genoma B do amendoim, gerando um híbrido estéril de genoma AB, que posteriormente é tetraploidizado pelo uso de colchicina, tornando-se um anfidiplóide sintético fértil (AABB). No caso do melhoramento visando resistência a doenças, os anfidiploides portadores da resistência de seus genitores diplóides são cruzados com A. hypogaea , obtendo-se indivíduos férteis. A etapa seguinte é a realização de sucessivos retrocruzamentos com cultivares de A. hypogaea de interesse, visando recuperar suas características agronômicas.

No Brasil, o Cenargen/Embrapa vem fazendo este trabalho de introgressão por anfidiploides. Entretanto, este material pode ainda apresentar comportamentos diversos quanto à capacidade de cruzamento com A. hypogaea, tais como: 1) hibridações que geram descendentes férteis, que são capazes de produzir progênies F2, F3 etc, como A. hypogaea x (A. ipäensis x A. duranensis)4x ; 2) hibridações que geram progênies F1 estéreis, sendo que às vezes produzem flor e não produzem sementes, outras vezes, nem flores ocorrem, como no caso de A. hypogaea IAC-Tatu-ST x (A. hoehnei x A. helodes)4x

Para tentar associar a alta cruzabilidade observada em alguns anfidiplóides com a alta resistência de outros, uma opção é obter híbridos complexos, que são aqueles obtidos a partir de quatro espécies, duas de genoma A e duas de genoma B.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há ampla variabilidade no germoplasma de amendoim para resistência a doenças foliares; a resistência é parcial e quantitativa, podendo-se prever sucessivos ganhos de seleção pela utilização das fontes de resistência disponíveis.
No Brasil, níveis moderados de resistência já têm sido alcançados, e novos ganhos estão sendo obtidos em cruzamentos com germoplasma resistente de hypogaea.
Níveis maiores de resistência podem ser esperados com a incorporação de genes presentes no germoplasma silvestre; entretanto, este objetivo é de longo prazo, pois há necessidade de que sejam superadas as barreiras de incompatibilidade interespecífica.

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COMO CITAR ESTE ARTIGO:
Godoy, I. J.; Fávero, A. P.; Santos, J.F.; Michelotto, M. D. Melhoramento genético do amendoim visando resistência a doenças foliares. In: IX Simpósio de Manejo de Doenças de Plantas – Manejo Fitossanitário de Cultivos Agroenergéticos: Cana-de-açúcar, oleaginosas e eucalipto. UFLA, 15 a 17 de Setembro de 2009. Disponível em: www.infoamendoim.com.br/artigostécnicos